quarta-feira, 28 de março de 2012

Bicho como as Árvores!

Quatro dias em casa do Ibrahim!
Deslocou-se em trabalho, é muito raro, mas por vezes acontece...
Fiquei sozinho, a matar saudades do espaço,  continuo a senti-lo como meu.
Não dormi no meu sitio. Fiz bola na cama do Ibrahim! Esta casa fica vazia sem ele, sempre ajuda a matar a saudade.
Cuidei das plantas, imitei-o, cantarolei-lhes grunhidos, enquanto lhes permitia a continuação da vida através da rega...
Estranho como o ser humano cria estas relações em que outros seres ficam dependentes da sua vontade para a existência! Ficam agradecidos! O abanar das folhas, conforme a simulada chuva lhes caía, pareciam acenos de agradecimento!
Elas sabem que não sou ele! Mas também gostam de mim. Até mudei uma de vaso, pois enquanto a regava, senti que necessitava! Depois, combinamos uma surpresa ao Ibrahim, vai-lhe dar frutos! "Serão pequeninos mas os mais doces que conseguir!"

Mas um pequeno arbusto que estava na varanda a fazer de sebe, não se animou muito...
Grunhi-lhe uma canção em vários tons mas permaneceu ausente!

Nessa noite tive um sonho!
Falava com as plantas!
 Perguntava ao arbusto o que tinha. Mas este, de amuado, virava-se para a parede deixando apenas as folhas castanhas viradas para mim!
 O pequeno vaso que estava ao seu lado, ao compreender a minha preocupação, sussurrou por entre as folhas: "Ele anseia pela liberdade! Quer se expandir para lá do vaso! Sonha em ter descendência e criar uma floresta de arbusto, todos juntos, unidos pelas raizes..."
-Cala-te! vibrou finalmente o arbusto. Não é assim! Ou melhor... Bicho! Há quanto tempo é que aqui estou?
-Sabes que não sou muito bom com a contagem do tempo... Mas, lembro-me de ti na varanda quase desde sempre! Lembro-me de ser pequenino e simular que tu eras a floresta, que eu tanta necessidade sinto!
-Sim vim para cá apenas um pequeno tronco, e aqui fiquei! Cresci. Sinto agradecimento ao Ibrahim pois sempre cuidou de mim. Limpou-me os ramos, abrigou-me dos ventos mais fortes, limpou-me as folhas, sempre me alimentou, chegou mesmo a tirar-me os ramos que me enfraqueciam e cuja podridão me afectava! Mas... Sinto-me incompleto. Sinto-me a negar a minha natureza! Quando os meus dias chegarem ao fim!  Quem me sentirá, como eu sinto o Ibrahim...

Nesse momento acordei com uma conhecida voz: Filhote!
Abracei o Ibrahim, como se este me regasse!

Escrevi o meu sonho no Quadro!
O Ibrahim foi a varanda, olhou para arbusto! Pegou nele e disse: Bicho, vamos! Andamos uns bons quilómetros de carro, até chegarmos a uma encosta virada a sul. Tinha vários arbustos parecidos.. Encontrou uma clareira e gritou: Bicho traz a pá!
No final, o Ibrahim aproximou-se do arbusto e segredou-lhe.
Não ouvi!
A primeira rega foi uma lágrima do Ibrahim! Deu-lhe um terno beijo em algumas folhas...
Abracei-os aos dois!

Quando chegamos a casa, olhei para local do arbusto.
Tive uma sensação contraria!
Tão vazio, em simultâneo tão cheio!

Bicho

segunda-feira, 19 de março de 2012

Boa Noite Papá!

Procurei por toda a parte! Não a encontro! Tenho alguma saudade dela...
Sei que é igualmente feliz,  mas tenho saudade da loucura do Ibrahim!
Pensei que estivesse escondida atrás da porta,  que saltasse na minha passagem tal como era habitual, ou na leitura de um momento terno e doce, gritasse uma qualquer palavra contraria ao sentimento induzido... e após o susto, vinha o gargalhada provocada pela mesma acção.
Quando inesperadamente cantava uma qualquer canção cujo o sentido, para além de vazio, provocava o riso, pela loucura... "Cagarinho, Cagarol, Preferes Mijinho ou queres Sumol!"
Ah! e quando eu era pequeno, representava nas refeições, para que o sorriso forçasse a abertura da boca, e assim fosse comendo o que não apreciava: "-Para trás meus piratas, nunca conseguirão tirar o alimento do meu filho Bicho!"  E em passos mistos, de dança e luta, provocava, não só em mim, mas em todos os presentes a gargalhada. Os jogos de mímica, o puxar de orelha, que obrigava a língua a sair fora da boca, a língua empurrada que revirava os olhos...
Quando íamos dormir, ao contar as histórias, transportava-me as cavalitas até ao mundo dos sonhos. A viver os sonhos como a realidade, a aproveitar as experiências que os sentimentos nos podem ensinar...
Permanecia ao meu lado até eu ficar em bola.
Ensinou-me, que o facto de compreendermos o presente e sentir-mo-nos bem com ele, poderemos igualmente sentir saudade do passado. A forma saudosa e orgulhosa como falava do seu pai, que nunca conheci. Ensinou-me o valor do passado e a importância que tem no presente.
Agora, quando olha para as crianças,  fá-lo com ternura. Reaparece, a mesma loucura! Sorrio com a felicidade da saudade, pois ao ouvir as gargalhadas das crianças, recordo as minhas.
Derreto-me quando após esses actos, olha para mim, como se eu fosse a criança que gargalha.
Agora, que sou mais velho, adoro igualmente as suas conversas, compreender as suas interrogações de Homem, compreender as suas escolhas e caminhos. A troca de papeis quando me pede conselho sobre algum assunto. O papel de um companheiro, de um amigo, que sabemos estará sempre ao nosso alcance e disponível para tudo...
Existe contudo algo que permanece, o seu olhar, quando me olha, os seus olhos  dizem-me: Amo-te meu filho!
E compreendo...
Mesmo que a loucura do Ibrahim não apareça com a mesma frequência, para ele, serei sempre o seu filho Bicho! Um sentimento intemporal.
Quando olha para mim, sou eu! Em todas as idades!
A minha presença e existência, faz com que o Ibrahim permaneça feliz!
E que parte da minha, nasce na dele.

Boa noite, PAI!
Dormiremos  felizes!

Bicho

terça-feira, 13 de março de 2012

Palha Sentida

Pouco a pouco...
Aproximou-se, saltou de um lado para o outro.
Ela, baixava a cabeça sempre que o encontrava após um salto...
Comunicaram,  entoaram cânticos, trocaram gostos, cartas sonoras de amor...
Confirmaram-se.
És tu! És tu!
Tocaram-se!
Voaram juntos...
ele esverdeado, um pouco clareado no papo, bico preto diamante.
ela um pouco mais escura, mas de noiva vestida!

Fiquem ainda a observa-los nos seus rituais de voo.
Rodopiaram e a cantaram enquanto voavam.
Voo frenético e tranquilo, como só a excitação do amor pode provocar.
Pareceu-me ver a felicidade, olhei de soslaio e lá estava ela, meia escondida, talvez com medo que a sua presença atraiçoasse o seu próprio momento, a abençoar todo aquele ritual.
Um encontro, um começo, um projecto...
Pousaram no mais forte, mas abrigado, ramo do salgueiro. Pareceu-me de facto o  mais bonito, talvez por ter sido a escolha deles...
Uma palha aqui, outra acolá. Tomou a forma mais carinhosa de todas...
O macho com o máximo respeito deixou que a fêmea se acomodasse ao ninho. Aguardou que esta o chamasse.
Ela cantou: vem!
Ele foi.
Achei que precisam de privacidade...
No caminho, apanhei uma palha.

Bicho




terça-feira, 6 de março de 2012

Aceitas? Bicho!

Recebi uma carta!

"Ex.mo Sr. Bicho

Vimos por este meio, informa-lo da formação de um movimento  Panteísta.
É urgente a passagem para a gestão politica, os valores da dignidade e da verdade e respeito pelos seres.
Temos assistido a um continuo desgaste dos valores no que respeita a dignidade do ser. Pelo que até agora podemos ver, este processo não começa nem termina nos órgãos de soberania e representação, é sim transversal a toda a sociedade.
A lei distanciou-se da moralidade, e de igual modo, levou a justiça com ela.
...
Sabemos que não é nativo deste planeta mas vive nele,  por isso, achamos que seria interessante que esta organização tivesse membros como o Sr. Bicho.
Pois, é nosso desejo criar uma sociedade a favor de todos que neste planeta habitam, mesmo pelos seres que impossibilitados estão de se manifestar.
...
Cremos que compreende o nosso propósito.
Aguardamos com expectativa a sua integração..."


Partes da carta não compreendi, falava de revoluções e mudanças de atitude, que é algo que só se vê nos humanos, a capacidade de durante o processo de vida serem diferentes indivíduos...

Contudo, e uma vez mais, fiquei a pensar...
Estranho como nós, Bichos, temos sentido o nascer de uma pergunta que não existia em nós.
Sempre vivemos o presente e nunca tínhamos questionado a razão da existência ou o seu propósito, até agora...
Qual o propósito? Qual a razão? De cá estarmos...

Teremos responsabilidade no que somos, ou, no que queremos ser...

Bicho


segunda-feira, 5 de março de 2012

Bicho com bilhete

Enquanto o sopro da vida se despedia. Entregou-me um bilhete.
Com um sorriso tentei dizer-lhe: é valido! dá até ao infinito! Mas apenas grunhi...
Toquei-lhe o coração, encontrava-se em paz!
Quando os paramédicos chegaram já a viagem tinha iniciado...

Como não a conhecia li o Bilhete:
" A todos os que me fizeram sorrir, obrigado!
 A todos que por mim choraram, desculpem!
Quem ler este papel, obrigado por seres todos."

Do lado de fora escrevi - Passar após a leitura .
Entreguei ao primeiro que por mim passou, hoje sou todos! Também com vocês, humanos...
Olhei para o caminho e gritei um grunhido de Obrigado.

Bicho


Voyeurismo de Bicho

Observava, no topo de um poste de iluminação, dois namorados que se beijavam...
Enquanto caminhavam, uniam-se lateralmente, beijavam e rodopiavam, mudavam constantemente a posição em relação ao movimento, ziguezagueando pelo passeio,  o beijo era a única linha continua.
Os corpos mudavam a sua postura, a cabeça oscilava de um lado para o outro, as mãos percorriam os cabelos, as costas, dos braços às mãos e os dedos cruzavam-se. Como se procurassem ultrapassar os limites do abraço, a qualquer momento a fusão....
Voei em salto por cima deles, quase sem reparar, soltei algumas nocturnas flores que tinha apanhado, não as notaram...
Soltaram-se!
Miraram-se, olhos nos olhos, como quem observa, não a beleza do rosto mas o sentimento, o profundo intimo.
Sorriram-se.
Os olhos desceram, as mãos soltaram-se, os corpos afastaram-se, soltou-se um Adeus finalizado em silencio...
Ele, ficou imóvel, olhando as costas dela a distanciarem-se. Ela, acelerou do passo à corrida em compasso com o compulsivo choro.
Ele apanhou uma flor, olhou-me na extremidade de um outro poste e questionou-me sem esperar resposta: Porquê? Deixou escorregar a flor dos seus dedos e foi-se!
Recolhi as flores...
Este não era o seu perfume!

Bicho