segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Bom dia Sol

Sentei-me no canto sudoeste do paralelepípedo formado pelo edifício. Suspendi os pés em diferentes paredes, e de ali, aguardava um resplandecente nascer do sol...  Algumas distantes nuvens já o anunciavam num pálido rosa e a noite clareava antecipando o acontecimento...

Subitamente, fui forçado a olhar para baixo alertado por um Homem que barafustava...
Circundava o carro em passos desiguais.
Foi fácil de compreender, apesar das frases soltas, que o seu carro fora estroncado.

"Bonito serviço me fizeram aqui!
 Sorte a minha..."


A policia chegou...
Tomou conta da ocorrência...

-Sr. Condutor! Assina aqui! Também aqui..... E aqui!  Este papel é para si. Estes são para nós!
O Sr. agora preenche este formulário designando o que lhe foi furtado... Tem um prazo de 15 dias...
(...)
-Aparentemente não falta nada, as cadeirinhas dos miúdos,  alguns brinquedos espalhados... Até a medalha de prata de São Cristóvão! Não falta nada... ." Disse o dono do carro!


Saltei para um Plátano que se encontrava mais perto, e de lá fui alternando de ramo em ramo até um dos mais altos que cobriam o largo do estacionamento. Suficientemente perto para melhor me aperceber das acções, demasiado longe para se aperceberem da minha proximidade..

Não me quis esconder! Mas, por vezes,  sinto-me observador! Nada acrescentava a minha presença...

Pegou no papel com um tímido obrigado... Ficou a ver os policias entrarem no carro e irem embora enquanto oscilava a sua atenção entre o papel e o seu carro...

Olhou para o carro mais uns segundos...
Contornou-o uma vez mais...
Sentou-se...

Mas assim que entrou, saiu... Saiu com um ar meio espantado... Espreitou para baixo do banco e tirou uma pequena caixa...
No topo da caixa, um envelope! Uma pequenina caixa em cartão.
Uma caixa, com um envelope branco, colado no topo.

Ainda deu dois passos no sentido da policia, sem êxito, já lá não estava...
Apenas um movimento involuntário!

Foi igualmente o momento, em que se os seus olhos passaram por mim...
- Bicho... Chamou-me, ainda em tom surpreso.

Saltei, agarrei-me, deslizei e desci, em sua direcção, enquanto ele, caminhava na minha.

-Olá Bicho! Viste alguma coisa... Sabes o que é isto?
Abri os braços, e acenei com a cabeça que não!
- Não sabes pois não... Pois!
- Mas que raio será isto...
E largava perguntas e respostas enquanto eu "mímicava"...

O facto de apenas grunhir cria nos seres Humanos um efeito curioso. Com frequência, o meu silencio vocal, provoca monólogos, a cada pergunta é dada uma resposta automaticamente...
Não é comigo que falam! Procuram em mim, apenas a certeza da sua resposta...

<Para o dono deste automóvel.> Dizia no envelope!

-O que será isto? Será para mim? Anda para aí tanto tolo... E se for uma bomba! Imagina... Uma bomba que parvoíce .. Terei feito mal a alguém! Alguém me quererá mal? Isto deve ser para outra pessoa, enganaram-se no carro. Vou levar isto à policia... Não quero saber!  "Para o dono deste automóvel..." E se for para mim? Isto é para mim! Se fosse para alguém em concreto dizia... O dono sou eu.. Isto é para mim...
Vou ler a carta! Pelo menos a carta vou ler....

Contabilizou uns segundos em silêncio, confirmando a decisão...
- Bicho! Desculpa... por favor, sê minha testemunha! Vamos ler isto.

"Caro dono deste carro.

Desculpe o uso da minha culpa!
De que serve o uso do que tenho,
se não serve a vida para ter.
Se o que tenho vai para além do que uso,
não a uso para viver!"

Fez um ar espantado! Leu mais duas ou três vezes! Abanou a caixa enquanto franzia a sobrolho!

-Isto devem ser papeis...

Desta vez, não teve duvida, uma vez lido ia até ao fim, abriu a caixa.
Os seus olhos arregalaram enquanto a boca se abria de espanto descontrolado. Dinheiro, imenso dinheiro em notas. Daquelas de valores exorbitantes mesmo quando estão sós...

Passou-me a caixa, enquanto se tentava apoiar no carro, os seus joelhos fraquejavam... Encostou-se ao carro de joelhos dobrados cabeça inclinada para o chão e arfava entre a respiração palavras como: Que loucura e meu Deus. Apesar da evidencia palpável, só dizia frases de duvida: como é possível? Isto não está acontecer?

E eu ali! Caixa na mão, com a outra a impedir a sua queda...

Lá se recompôs. Sentou-se no carro, convidou-me para entrar... Mas apercebeu-se do meu tamanho! Com as cadeirinhas o banco não tinha espaço suficiente. Fiquei ao seu lado enquanto contava as notas...

Soltou mais um "que loucura" no final da contagem!

Ficou um pouco pensativo....
Tirou algumas notas, pegou num pequeno papel e escreveu:

"Se usar apenas o que necessito,
em liberdade vou conseguir viver
viveria em eterno conflito,
se mais do que necessito viesse a ter."

Sorriu, enquanto os seus olhos, que agora apresentavam um forte brilho, vaguearam no infinito e em simultâneo com suspiros de tranquilidade disse: "Acho que sei onde vou por o restante da caixa... Já viste Bicho, através da beneficência de um Homem, eu próprio poderei fazer o bem...  Fala ele de Culpa!"

Não vi o nascer do Sol.
Sei que foi resplandecente!

Bicho