domingo, 31 de março de 2013

Nascido, não vivido!

Quando as Chuvas de Estrelas vem o que sentimos é muito forte....

Nunca vos disse, pois tal como acontece entre nós, sentimos também em vocês, Humanos, o principio da vida, não o sentimos com a mesma intensidade, mas na presença, a sensação garante-nos a certeza! A germinação no útero...

O Ibrahim já reconhece em mim quando o sinto!

Mas o que quero contar-vos é uma historia que aconteceu num longo passeio que realizei com o Ibrahim e dois amigos....

Seguíamos numa estrada com vistas longínquas, campos de trigo que se prolongavam até horizonte, oscilantes na brisa. Junto à estrada, as árvores baixas criavam janelas para os campos e ajudavam a limitar o caminho...

Num desses intervalos, surgiu uma casa térrea, caiada, com as janelas e portas fitadas em azul escuro... Pareceria uma casa normal, não fosse o caso de nas paredes, estar cheia de escritos em múltiplas cores:
 "Se seguires o sonho, segues a felicidade" ; 
"A felicidade é sermos felizes. Não é fingirmos que o somos";
 " O mal nunca está no amor"
...
 Muitas outras frases, conhecidas e desconhecidas, circundavam a casa, mas todas de inspiração para felicidade, para o amor, para a verdade!

Grunhi de imediato, assim como a Paula e o Fernando, avisando o Ibrahim do desejo de parar! Eles porque queriam tirar umas fotografias, eu pelo que senti...

O Ibrahim encostou o carro um pouco à frente, saímos. O Fernando começou logo a disparar em múltiplos ângulos à casa. Panorâmicas gerais, pormenores, a Paula a apontar  frases...

Eu, aguardava o ser que lá dentro se encontrava!

Não demorou muito...

Antes da sua visão, fez se anunciar com uma voz forte: "Entrem, entrem..." Enquanto a porta se abria..."Há mais para viver cá dentro..."
 Surgiu um Homem, velho mas de idade indeterminada, cabelos e barba longos e grisalhos, no fim desta, uma barriga nua, redonda, proeminente, saía da camisa aberta, manchada da transpiração, vinho e restos de comida... Uns calções, outrora calças, segurados por uma corda. Pés nus, largos, calçavam o pó que se acumulava...
 Tinha um aspecto um pouco assustador, para quem apenas sente e avalia pela visão...

A Fernanda correu para o Paulo, um pouco mais afastado a disparar continuas fotografias...

Quando me viu,  penteou a barba com os dedos, lançou uma grande gargalhada: "O Bicho!!! Que saudades tenho de ti!" Dei-lhe um abraço. Ao que a Paula meia espantada perguntou: Mas... Já se conheciam? Ao que o Emanuel, assim se chamava o Homem, respondeu rapidamente: "Sim, talvez não fosses tu! Olhando para mim. Mas eras o também! Certo Bicho?"

Essa frase fez o Ibrahim aproximar-se e relaxar com a situação...
Entramos!
A casa encontrava-se decorada com o entulho de muitas vidas passadas, roupas, quadros, brinquedos, móveis... Tirando a cozinha, todas as outras divisões serviam apenas de carreiro entre elas, tal era o acumular de coisas amontoadas. Contudo, conforme nos contava historias, rapidamente encontrava a peça sobre a qual recaia a historia, no meio do tudo aquilo, subia, mergulhava no emaranhado de recordações e de lá saia com a peça que tinha descrito, como se tivesse um memoria absoluta, sobre o empilhamento do vivido...

Mas o que vos quero contar desta historia, foi o que aconteceu à Paula... Enquanto esta observava uma cerâmica que se encontrava pendurada na cozinha,  aproximou do Emanuel. Ele que se encontrava a contar mais uma recordação... Parou! Virou-se para trás onde se encontrava a Paula e... Então Parabéns! Seja bem vinda a nova existência... Para ela e para o Fernando foi um momento constrangedor...
Saiu em pranto, o Fernando seguiu-a!
O Ibrahim informou que de facto ela tinha estado gravida mas tinha abortado recentemente às seis semanas,  O Emanuel levantou-se e veio cá fora falar com a Paula.

"Paula, desculpe se a magoei, não era essa a minha intenção, não me fiz compreender. Deixe-me por favor dizer-lhe, a sua condição não difere em nada das mulheres que concretizaram a gravidez, grande milagre é a geração, o que lhe aconteceu faz parte da sua condição de mulher e de mãe...
Quero que saiba que de si, nasceu um ser, mesmo que não o tenha visto viver..." 

Estava a dizer isto quando começamos a ouvir ao longe sinos...

O Emanuel, olhou profundamente nos olhos da Paula, e convidou: "Oh! seria uma honra, receber o compasso convosco em minha casa!"
O choro transformou-se num sorriso contemplativo...
Aceitamos!

Bicho

sexta-feira, 15 de março de 2013

Não o sei dizer em palavras!


Atirou com o papel entre a raiva e o desespero, saiu vociferando meias palavras...
Devia ser, para aí, a quinta vez que o fazia...
Passado uns minutos, voltava a entrar, fixava os olhos no mar, e ali se demorava...
Sentava-se novamente rabiscava qualquer coisa mas... Mal começava a escrever, emitia gritos iniciados em  surdina que se iam libertando em paralelismo com os bruscos movimentos, transpunha a raiva no papel e rasgava e amarfanhava e atirava-os sem cuidado.
Saía novamente entre palavras meias ditas, num acelerado passo, como quem pontapeia o ar...

Num desses momentos, enquanto o retorno não acontecia, não resisti, pequei num dos papeis do Ibrahim...

"Não possuo o dom!
Se eu conseguisse, transporia em palavras o sentimento, este que todos os poetas definem como indefinível, o tal que arde sem se ver, aquele cujo apenas o peito da amada acalma, aquele cuja a mera passagem cria poesia sem palavra...
Como gostaria de ter o dom, de transformar o abstracto em concreto,  definir o indefinível...
De numa orgia de palavras o alcançar,  conjugar as palavras e permitir-lhes apenas o sentimento mais belo, e ainda assim... Tão longe!
Como definir a razão da existência no sentimento que possuo!
Como criar com as palavras tal aglutinação de existência...
Sem medo...
Sem dom...
Sem palavra...
Porque existes!
Porque amo!
Sou!"

Também o sou...
Não o sei dizer em palavras!

Bicho