Caminhava na cidade, sem um destino definido.
Contudo... A cada esquina, cruzamento, encruzilhada que encontrava não duvidava no sentido que deveria tomar.
Até que cheguei a um largo, com algumas árvores já de longa idade, era atravessado por uma estrada que apesar de pouco circulada, cortava o uso que o largo teria inicialmente...
É frequente nas cidades, encontrar situações idênticas, resultado da evolução da mesma, diz me muitas vezes o Ibrahim... Fico sempre com a sensação de um espaço amputado!
De um lado, elevado por uns degraus, um edifico mais alto que todos o que circundavam, duas torres ocas, onde a cada intervalo ressoam badaladas, avisando os homens, que a sua vida aqui é apenas passageira, um mero processo temporal. Um edifício construído para o culto, por forma a honrar e a glorificar o desconhecimento dos homens. Presos na ignorância material construíram no com materiais nunca exigidos...
Do outro, casas de uma janela e porta só. Algumas com acrescentos, facilmente definidos pelo tipo de construção...
Numa dessas portas, encontrava-se um homem... sim, com letra pequena, assim me pediu ele! Quando lhe perguntei o nome, respondeu-me: meu nome? é homem, simplesmente! sem letras grandes...
Momento de perplexidade para mim! Ou eu estava a falar a língua dos homens, ou este homem, falava como nós bichos, sem palavras... A verdade é que a comunicação foi feita sem eu nunca conseguir compreender como esta se estava a dar....
Perguntei-lhe quem era? Como tinha chegado até aqui?
O homem de cabelos negros, compridos, sujos, amarfanhados, confundiam-se com a sua barba cujos os longos pelos se misturavam entre a sua túnica de cor de terra, suja ou gasta de vários caminhos...
Desenrolou parte da túnica enrolando-a junto à cinta para que os seus movimentos ficassem mais livres e enquanto sorria, chorava e dançava, cantou assim:
"foi num dia de festa, como hoje...
uma festa!
hoje é dia de festa... quando imensos se emanam em continuidade, recordaram a sua ligação, de como o mistério se desenvolveu, de como partícula, átomo, ínfima coisa, vazio do nada, molécula do todo... somos criados e de como partícula nos gerou!
esse acto... altruísmo, puro acaso...
superior ao sentimento... qual amor? ódio! loucura ou insanidade, a nenhum lhe pertence!
faísca de vida apenas...
terá sido ontem?
talvez há algum tempo mais...
não pela distancia da minha recordação, mas pela evidencia dos factos.
o tamanho, o crescimento! a contabilização da minha existência na repetição dos ciclos...
recordo... revivo, como se do presente se tratasse...
como pudesse eu recordar! se nem da mesma matéria provenho, se de outra explosão sou gerado...
sou criado em mim, sonhado, vivido agora, simplesmente ser, eis... sou!
uma só partícula, imensa, reduzida a nada, um ponto infinito de todo.
nasce em mim meu pai, sente-me como te sinto, tal como somos, uma só partícula, continuada...
nasce em mim minha mãe, sente-me como te sinto, tal como somos, uma só partícula, continuada...
nasce em mim meu irmão, sente-me...
nasce em mim...
deixa me ser tu, e ele, e ela, e ser todos em mim, que a minha existência seja tua e que eu exista em ti.
nasce em mim para que de ti eu nasça.
sejamos o que sou, uma só partícula, acto, ínfima coisa...
vazio do nada...
molécula do todo..."
e os sinos ecoaram por toda a praça, reflexo da minha partilha humana, olhei para as torres confirmando a contabilização do tempo...
Bicho