quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Cobre bailarina

Sim!!
Estou pronta!
Fui rebento! Seguro por este meu pai mãe... 
Da sua vontade deu me vida, novamente... 
Vi a primavera. Enchi-me vida! 
Acompanhei o crescimento dos pássaros que abriguei. Vi os voar entre mim e em mil danças os imitei, ao vento... Sentia a liberdade! E todas nós, em movimentos sincronizados... a liberdade, a dança, o sorriso! 
Como bailarinas, ao sentir o momento que se aproximava, vestimos o nosso vestido cobre, o mais belo, arrebitamos em pontas e... Estamos prontas!
Sempre, este mesmo receio...
Começou o voo, uma a uma, momento a momento, abraçamos nosso pai mãe, e como se nossos dedos escorressem, em dor e sorriso, soltamos, voamos....
Enquanto o vento me quiser, será meu dono, com ele dançarei e darei a minha beleza...
Até acordar novamente... 
Em rebento... 
Da vontade de meu pai mãe...

Bicho

domingo, 8 de setembro de 2013

Asas de luz

Hoje vi!
 Já o tinha vivido através de outros Bichos...
À minha frente, um homem, comum, igual a tantos outros homens, caiu em dor, gritava-lhe a alma, cansado que estava de tanta fé.
Um raio atravessou-lhe o torso, entrou pelas costas e deixou o rasgado, caído, inerte, corpo vencido sobre os joelhos pousados no chão...
Um só grito, seco e o fim!
Sem vida, sem respiração, sem nada que demonstrasse a existência de futuro...
Mas de súbito, o som da corneta a ocupar todos os ruídos existentes e uma bola em fogo, vinda do nada, tomou o seu corpo, como se os deuses o reclamassem, pensei!
No fim da luz, o homem levantou-se, ainda com a marca do raio que o rasgara, sorriu perante todos, elevou um dedo em riste até aos lábios, pediu silencio sem dizer uma palavra. Sorriu e fez chorar todos os presentes de felicidade. Abriu as asas que escondia, soltou a luz que continha, o seu rosto perdeu a forma que o diferenciava e todos os presentes éramos em simultâneo esse anjo que se revelava.
E o milagre, só assim o poderei descrever, absorveu as nossas dores e num bater de asas curou todos os presentes da vida e do amor.
Homens e mulheres choravam lavados, enquanto o milagre ascendia, aqueles que, agora curados, lacrimejavam como crianças, limpas de culpa, remorsos, lamentações, raivas, invejas... Olharam-se como seres novos, despediram-se como irmãos, seguiram os seus caminhos!
E eu, Bicho, ao ver tal milagre, de incondicional amor, choro ainda a alegria, de o viver...

Bicho

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Solidão de Bicho

Por vezes, encontro o Ibrahim, só, no meio da multidão...
Em festas, ou em breves passeios, consigo sentir a sua solidão...
A caminhar num ritmo só dele, sem influencia de terceiros, os olhos em pontos indefinidos...
Lá vai, ou está, ele, só...
Não pensem que esta solidão obriga a tristeza, claro que por vezes o faz com valor nostálgico, todos vós, Humanos, sentem a falta... Mesmo desconhecendo exactamente o quê...
É, na maior parte das vezes, apenas uma forma de se procurar, de se reequilibrar, uma necessidade maior de procurar compreender o somatório dos seus actos, dos assimilados, dos irreflectidos, das vontades, dos desejos que o exterior vos obriga... Ou meramente uma força, cuja compreensão vos, provavelmente, nos, ultrapassa! Seja como for, todos, e quando digo todos, não é uma mera observação estatística, é mesmo todos! Todos vós humanos! Se não o fizessem perderiam a vossa condição. Humanos não seriam mais...
Sim, não acontece apenas ao Ibrahim... Mas sinto-o nele de uma forma diferente.
Assim, de tempos a tempos, sinto a solidão no Ibrahim.
Está cá, mas sem cá estar!
Está só. A caminhar em si...
Numa incessante procura!
E eu, cujo a condição de Bicho, me obriga a ser, além-individuo...
Sinto, através dele, o paradoxo da solidão...

Bicho

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Um sorriso sem fim...

A Primavera não surgia!
Procurava os rebentos nas árvores que não brotavam, flores que teimosamente não se abriam...
Zuniam perdidos os insectos,  os animais, deambulavam ausentes entre campos de aspecto recolhido...
Visto o horizonte, toda a terra apresentava um tom cinza, uma palidez suspensa...
Perguntei as plantas e aos seres da natureza o que estava a acontecer? Mas a resposta, eu não conseguia compreender. Murmuravam adormecidos...
Sentei me com eles a aguardar qualquer alteração, e também eu, comecei a adormecer a entregar-me ao comum estado letárgico...
Até que senti uma mão que se aproximava , não apenas de mim, mas de todos nós que partilhávamos a dormência.
Os pássaros, os insectos, as plantas, os homens, os bichos de todo o mundo, os rios que pouco a pouco se transformavam em lagos, tudo que parara...
Quando finalmente nos atingiu, sacudiu com violência! Ouviram-se trovões. Rasgou-se a terra.  Galgou as fronteiras o mar. Ergueram-se montanhas em espasmo. Expandiu-se ao poço mais fundo o céu....
E no fim... no local mais fértil...  no local mais profundo de todos nós... essa mão! Gentilmente colocou uma semente...
Trazia um sorriso, trazia um olhar, trazia alegria, trazia uma vida...
As flores abriram...
Os pássaros cantaram...
As crianças sorriram...
Para que cada momento da vida, nunca tenha um fim...
Para que eternamente sejamos todos, um!

Bicho



sexta-feira, 21 de junho de 2013

homem, assim! com letra pequena

Caminhava na cidade, sem um destino definido.
Contudo... A cada esquina, cruzamento, encruzilhada que encontrava não duvidava no sentido que deveria tomar.
Até que cheguei a um largo,  com algumas árvores já de longa idade, era atravessado por uma estrada que apesar de pouco circulada, cortava o uso que o largo teria inicialmente...
É frequente nas cidades, encontrar situações idênticas, resultado da evolução da mesma, diz me muitas vezes o Ibrahim... Fico sempre com a sensação de um espaço amputado!
De um lado, elevado por uns degraus, um edifico mais alto que todos o que circundavam,  duas torres ocas, onde a cada intervalo ressoam badaladas, avisando os homens, que a sua vida aqui é apenas passageira, um mero processo temporal. Um edifício construído para o culto, por forma a honrar e a glorificar o desconhecimento dos homens. Presos na ignorância material construíram no com materiais nunca exigidos...
Do outro, casas de uma janela e porta só. Algumas com acrescentos, facilmente definidos pelo tipo de construção...
Numa dessas portas, encontrava-se um homem... sim, com letra pequena, assim me pediu ele! Quando lhe perguntei o nome, respondeu-me:  meu nome? é homem, simplesmente! sem letras grandes...
Momento de perplexidade para mim! Ou eu estava a falar a língua dos homens, ou este homem, falava como nós bichos, sem palavras... A verdade é que a comunicação foi feita sem eu nunca conseguir compreender como esta se estava a dar....
Perguntei-lhe quem era? Como tinha chegado até aqui?
 O homem de cabelos negros, compridos, sujos, amarfanhados, confundiam-se com a sua barba cujos os longos pelos se misturavam entre a sua túnica de cor de terra, suja ou gasta de vários caminhos...
Desenrolou parte da túnica enrolando-a junto à cinta  para que os seus movimentos ficassem mais livres e enquanto sorria, chorava e dançava, cantou assim:


"foi num dia de festa, como hoje...
uma festa!
hoje é dia de festa... quando imensos se emanam em continuidade, recordaram a sua ligação, de como o mistério se desenvolveu, de como partícula, átomo,  ínfima coisa, vazio do nada, molécula do todo... somos criados e de como partícula nos gerou!
esse acto... altruísmo, puro acaso...
superior ao sentimento... qual amor? ódio! loucura ou insanidade, a nenhum lhe pertence!
faísca de vida apenas...

terá sido ontem?
talvez há algum tempo mais...

não pela distancia da minha recordação, mas pela evidencia dos factos.
o tamanho, o crescimento! a contabilização da minha existência na repetição dos ciclos...
recordo... revivo, como se do presente se tratasse...
como pudesse eu recordar! se nem da mesma matéria provenho, se de outra explosão sou gerado...

sou criado em mim,  sonhado, vivido agora, simplesmente ser, eis... sou!
uma só partícula, imensa, reduzida a nada, um ponto infinito de todo.

nasce em mim meu pai, sente-me como te sinto, tal como somos, uma só partícula, continuada...
nasce em mim minha mãe, sente-me como te sinto, tal como somos, uma só partícula, continuada...
nasce em mim meu irmão, sente-me...
nasce em mim...

deixa me ser tu, e ele, e ela, e ser todos em mim, que a minha existência seja tua e que eu exista em ti.
nasce em mim para que de ti eu nasça.
sejamos o que sou, uma só partícula, acto, ínfima coisa...
vazio do nada...
molécula do todo..."

e os sinos ecoaram por toda a praça, reflexo da minha partilha humana, olhei para as torres confirmando a contabilização do tempo...

Bicho






quarta-feira, 15 de maio de 2013

Esta luz, tão cheia de cores!

Os amigos do Ibrahim, são também meus amigos, nem de outra forma poderia ser! Ontem, jantamos com o Gabriel, um amigo de longa data! Durante o jantar, o Ibrahim, falava dos seu amor e dos seus sentimentos por uma rapariga... Mas, no entretanto, caímos em assuntos mundanos e jantado que estava, resolvi dormir! A determinada altura estava eu já em bola, num canto da sala, quando fui acordado por um amarfanhado de papel, atirado contra mim! Levantei-me em sobressalto! O Ibrahim tinha saído da sala, e o Gabriel, encostou o dedo aos lábios e assobiou um shiu... - "Guarda! Dá o depois ao Ibrahim, escrevi-o agora... Melhor! Podes até por no teu 'Caminho'... " e piscou me um olho enquanto sorria. O Ibrahim entrou... Percebendo alguma cumplicidade, sorriu e perguntou: O que estão vocês a preparar? Meti-me em bola novamente, que ele lê as minhas expressões, não lhas sei esconder!
Tal como prometido Gabriel, aqui fica:

«Esta luz, tão cheia de cores!

Enquanto fugia...  dos sentimentos de voo, daquele momento em que a flecha nos acerta, em que o coração que sangra ocupa todo o corpo, sem nunca se esvaziar...
Ao contrario... da sua ferida, o sangue brotado, ramifica em todos os órgãos e batem como um só...  E o todo que somos, é um só coração, e pulsa...
E exige e quer! Ferido de alegria e vontade...
Obriga! Coloca-nos asas sonhadoras, sem o controle das mesmas, elevamos à procura do astro que nos ilumina!
Ascendemos feito Ícaros fascinados pela beleza, pela luz...
Mas... Talvez com medo da vertigem... da irracionalidade... Das anteriores quedas provocadas pela fé!
Fugia..
Remeti-me à espera da confirmação, qual o sentimento...
A paixão que morra!
Morre paixão!
Não te quero em mim! Sai das minhas veias. Larga o meu corpo. Deixa-me fazer as minhas escolhas! Porque te intrometes pequeno arqueiro! Deixa-me...
E lutei no voo...
Agarrei-me! Lancei ancoras e tudo o mais que podia para travar a ascensão, mas... Fui voando!
Lutei com os ventos, tentei lançar-me em queda...
Sem nunca conseguir deixar de olhar para a luz, cada vez mais brilhante!
Até que de tanto lutar, finalmente domei as asas! Tornei-me dono de mim! Pousei lentamente...
Sem nunca conseguir deixar de olhar para a luz, cada vez mais brilhante!
Caminhei dois passos em sua direcção...
Sem nunca conseguir deixar de olhar para a luz, cada vez mais brilhante!
Abri as asas em toda a sua envergadura, bati-as levemente, elevei-me apenas uns metros do  chão...
Sem nunca conseguir deixar de olhar para a luz, cada vez mais brilhante!
Fiz a escolha! Senti o sangue que acalmara a jorrar novamente, mas por vontade, a tomar conta de mim, e todo eu, a escolha e o destino, voamos sem medo, sem querer deixar de olhar para luz, cada vez mais brilhante... tão cheia de cores!

Gabriel da Fonseca »

Fiquei com pena de ter adormecido, gostaria de ter ouvido toda a conversa!

Bicho




terça-feira, 2 de abril de 2013

Roscas à parte!

Um alicate saltou da caixa de ferramentas!
Olhou para os parafusos espalhados pelo chão e gritou-lhes: Mas que balburdia é esta?
Os parafusos colocaram se logo em sentido, alinharam as roscas e perfilaram-se por tamanho e tipo... Todos menos um!
Franziu a fenda e gritou: Ouve lá Alicate! Tu não tens poder sobre nós! Só respondemos as ordens da velha chave de fenda! Não de Ti...
Um outro parafuso, alinhado, mas perto do parafuso insolente, sussurrou-lhe :
És louco!!! a falar assim com o alicate? queres que ele te aperte e entorte, ou pior que te corte...
Olhava altivo o alicate, preparava-se para falar quando por trás dele apareceu a velha chave de fenda...
O alicate cedeu-lhe o lugar, este tomando o palanque disse: Ora bem. Vamos proceder a substituição de uma viga de madeira que sustenta um telhado... Quero-te a ti parafuso resmungão! Mais onze voluntários! Parafusos! Saibam que este é um trabalho de extrema responsabilidade! E que muita coisa, pode acontecer...
Lá foram todos para a sacola de trabalho, o alicate, a velha chave de fenda, os doze parafusos...
Dizia aqui e ali o parafuso resmungão: Voluntários, vocês são voluntários! Mas eu, não! Eu, fui escolhido para um trabalho de maior responsabilidade, a velha chave sabe o meu valor... Riam os outros parafusos, das gabarolices do parafuso.
Quando chegou o momento, a chave de fenda disse aos seus parafusos: Meus bons rapazes! Espero que compreendam a vossa função, começa hoje a vossa nova vida, conto convosco, para que sejam a garantia da sustentação deste telhado!
Após encaixes, cortes e ajustes, chegou a hora de os parafusos!
Foram sendo orgulhosamente apertados até ao ultimo chiar da madeira, finalmente chegou a vez do impaciente parafuso. A velha chave de fendas disse-lhe: Rapaz! Chegou a tua hora, esta madeira tem nós duros, difíceis de ultrapassar, é imperativo que te mantenhas firme, não cedas perante eles ou... Sim! Eu sei! Interrompeu o parafuso. Aprendi tudo que havia para aprender, Eu sei...
Colocou-se no local pretendido, a chave de fendas, engatou-se na sua cabeça fendida e enroscou e enroscou... O parafuso que sentiu um veio mais duro, achou que não precisava de se manter firme e numa torção, zás... Entortou! Ahhhh gritou o Parafuso! O que te disse rapaz! E agora... Enquanto agonizava o parafuso...
 Alicate! Chamou a velha chave de fendas! Todos os outros parafusos se arrepiaram ao ouvir aquele nome. Comentaram entre eles. Ah...vai ser cortado!
O parafuso, desanimado, entortado, chorava agora por clemencia, por favor... O Alicate aproximou-se dele e com uma voz autoritária disse: Rapaz, tudo vou fazer para te dar uma segunda oportunidade, ai de ti que depois não te mantenhas firme... e com jeito e sem pressas abocanhou o parafuso,  num movimento decidido endireitou-o!
Como vai ser agora fedelho? Disse a Velha Chave de Fenda ao parafuso que ainda soluçava por ter visto o fim tão perto...
Mas desta vez, o parafuso manteve-se firme até ao fim...
Boa rapaz! Disse a Chave de Fenda.
Ora! Devo-o ao bom Alicate! Obrigado.

Bicho


Sem pintura...

Senti!
Era forte a dor!
Uma mágoa em mim que vinha do outro lado da tenda...
Atravessei-a num só salto...
Encontrei um homem de olhar perdido, sentado na beira de um charco...
Os seus olhos choravam apesar de nenhuma lágrima escorrer deles.
Os seus olhos, variavam, entre o vazio e uma fotografia caída nos dedos...
Grunhi um som quente, acolhedor, abracei-lhe a dor, distribuía pelos dois. Atenuei-a...
Abracei-o com o som, com os braços, com o todo que sou...
Quando finalmente se deixou encostar no meu peito, gritou sem som! Senti o mundo tremer, há muito que carregava aquela dor, também o mundo aguardava a sua partilha...
E a dor que senti, atenuou novamente...
Chorou finalmente, em arco, como só ele sabe fazer, chorou até a libertação...
Alguém o chamou...
Calçou os longos sapatos, vermelho-purpura, adicionou um nariz ao seu, retocou o sorriso junto aos olhos, e entrou!
As crianças gargalharam de imediato...

Bicho

domingo, 31 de março de 2013

Nascido, não vivido!

Quando as Chuvas de Estrelas vem o que sentimos é muito forte....

Nunca vos disse, pois tal como acontece entre nós, sentimos também em vocês, Humanos, o principio da vida, não o sentimos com a mesma intensidade, mas na presença, a sensação garante-nos a certeza! A germinação no útero...

O Ibrahim já reconhece em mim quando o sinto!

Mas o que quero contar-vos é uma historia que aconteceu num longo passeio que realizei com o Ibrahim e dois amigos....

Seguíamos numa estrada com vistas longínquas, campos de trigo que se prolongavam até horizonte, oscilantes na brisa. Junto à estrada, as árvores baixas criavam janelas para os campos e ajudavam a limitar o caminho...

Num desses intervalos, surgiu uma casa térrea, caiada, com as janelas e portas fitadas em azul escuro... Pareceria uma casa normal, não fosse o caso de nas paredes, estar cheia de escritos em múltiplas cores:
 "Se seguires o sonho, segues a felicidade" ; 
"A felicidade é sermos felizes. Não é fingirmos que o somos";
 " O mal nunca está no amor"
...
 Muitas outras frases, conhecidas e desconhecidas, circundavam a casa, mas todas de inspiração para felicidade, para o amor, para a verdade!

Grunhi de imediato, assim como a Paula e o Fernando, avisando o Ibrahim do desejo de parar! Eles porque queriam tirar umas fotografias, eu pelo que senti...

O Ibrahim encostou o carro um pouco à frente, saímos. O Fernando começou logo a disparar em múltiplos ângulos à casa. Panorâmicas gerais, pormenores, a Paula a apontar  frases...

Eu, aguardava o ser que lá dentro se encontrava!

Não demorou muito...

Antes da sua visão, fez se anunciar com uma voz forte: "Entrem, entrem..." Enquanto a porta se abria..."Há mais para viver cá dentro..."
 Surgiu um Homem, velho mas de idade indeterminada, cabelos e barba longos e grisalhos, no fim desta, uma barriga nua, redonda, proeminente, saía da camisa aberta, manchada da transpiração, vinho e restos de comida... Uns calções, outrora calças, segurados por uma corda. Pés nus, largos, calçavam o pó que se acumulava...
 Tinha um aspecto um pouco assustador, para quem apenas sente e avalia pela visão...

A Fernanda correu para o Paulo, um pouco mais afastado a disparar continuas fotografias...

Quando me viu,  penteou a barba com os dedos, lançou uma grande gargalhada: "O Bicho!!! Que saudades tenho de ti!" Dei-lhe um abraço. Ao que a Paula meia espantada perguntou: Mas... Já se conheciam? Ao que o Emanuel, assim se chamava o Homem, respondeu rapidamente: "Sim, talvez não fosses tu! Olhando para mim. Mas eras o também! Certo Bicho?"

Essa frase fez o Ibrahim aproximar-se e relaxar com a situação...
Entramos!
A casa encontrava-se decorada com o entulho de muitas vidas passadas, roupas, quadros, brinquedos, móveis... Tirando a cozinha, todas as outras divisões serviam apenas de carreiro entre elas, tal era o acumular de coisas amontoadas. Contudo, conforme nos contava historias, rapidamente encontrava a peça sobre a qual recaia a historia, no meio do tudo aquilo, subia, mergulhava no emaranhado de recordações e de lá saia com a peça que tinha descrito, como se tivesse um memoria absoluta, sobre o empilhamento do vivido...

Mas o que vos quero contar desta historia, foi o que aconteceu à Paula... Enquanto esta observava uma cerâmica que se encontrava pendurada na cozinha,  aproximou do Emanuel. Ele que se encontrava a contar mais uma recordação... Parou! Virou-se para trás onde se encontrava a Paula e... Então Parabéns! Seja bem vinda a nova existência... Para ela e para o Fernando foi um momento constrangedor...
Saiu em pranto, o Fernando seguiu-a!
O Ibrahim informou que de facto ela tinha estado gravida mas tinha abortado recentemente às seis semanas,  O Emanuel levantou-se e veio cá fora falar com a Paula.

"Paula, desculpe se a magoei, não era essa a minha intenção, não me fiz compreender. Deixe-me por favor dizer-lhe, a sua condição não difere em nada das mulheres que concretizaram a gravidez, grande milagre é a geração, o que lhe aconteceu faz parte da sua condição de mulher e de mãe...
Quero que saiba que de si, nasceu um ser, mesmo que não o tenha visto viver..." 

Estava a dizer isto quando começamos a ouvir ao longe sinos...

O Emanuel, olhou profundamente nos olhos da Paula, e convidou: "Oh! seria uma honra, receber o compasso convosco em minha casa!"
O choro transformou-se num sorriso contemplativo...
Aceitamos!

Bicho

sexta-feira, 15 de março de 2013

Não o sei dizer em palavras!


Atirou com o papel entre a raiva e o desespero, saiu vociferando meias palavras...
Devia ser, para aí, a quinta vez que o fazia...
Passado uns minutos, voltava a entrar, fixava os olhos no mar, e ali se demorava...
Sentava-se novamente rabiscava qualquer coisa mas... Mal começava a escrever, emitia gritos iniciados em  surdina que se iam libertando em paralelismo com os bruscos movimentos, transpunha a raiva no papel e rasgava e amarfanhava e atirava-os sem cuidado.
Saía novamente entre palavras meias ditas, num acelerado passo, como quem pontapeia o ar...

Num desses momentos, enquanto o retorno não acontecia, não resisti, pequei num dos papeis do Ibrahim...

"Não possuo o dom!
Se eu conseguisse, transporia em palavras o sentimento, este que todos os poetas definem como indefinível, o tal que arde sem se ver, aquele cujo apenas o peito da amada acalma, aquele cuja a mera passagem cria poesia sem palavra...
Como gostaria de ter o dom, de transformar o abstracto em concreto,  definir o indefinível...
De numa orgia de palavras o alcançar,  conjugar as palavras e permitir-lhes apenas o sentimento mais belo, e ainda assim... Tão longe!
Como definir a razão da existência no sentimento que possuo!
Como criar com as palavras tal aglutinação de existência...
Sem medo...
Sem dom...
Sem palavra...
Porque existes!
Porque amo!
Sou!"

Também o sou...
Não o sei dizer em palavras!

Bicho

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Até já...

Acredito que seja desconfortável para vocês, não para todos, pois que me cruzo com alguns humanos na praia nos dias de chuva!
Num desses meus passeios, cruzei-me com um rapaz, com uma tatuagem no pé! Até já... dizia a tatuagem.
Olhava para o mar e sorria, apesar dos seus olhos tristes...
Sentei-me a seu lado, fez umas festas no meu pelo, como se faz aos cães... Eu gosto! Alguns humanos reagem como se eu fosse apenas um animal, outros apenas pelo meu lado racional. Gosto especialmente quando compreendem que apesar da minha capacidade intelectual gosto igualmente de brincar e de receber festas! Foi o caso!
Enquanto acariciava o meu dorso, perguntou: Então Bicho! Como estás?
Grunhi um bem, facilmente percepcionado pelo rapaz. Apontei-lhe para a tatuagem e vocalizei uma interrogação em grunhido...
- Sentiste-o! Não foi Bicho! Tenho um Bicho como tu por grande amigo...
Bem que me parecia que o já conhecia, já vivi partilhas com ele!
Quis reviver a historia do até já...
Estiquei-me na areia molhada, fiz um monte para elevar a cabeça, fiquei pronto para a ouvir!

- Tenho um irmão... Já não vejo a algum tempo... Por imensas vezes me disse até já!
Para ele, esta era a forma correcta de entre os homens se despedirem ou se afastarem, independentemente do tempo que intervalaria a sua ausência.
Não gostava do determinismo do Adeus, nem da casualidade do Até qualquer dia, afastava-se com a vontade do Até já...
Sempre achei aquilo curioso, via uma certa beleza naquele acto mesmo sem o compreender...
Até o dia em que a sua ausência foi certa...
Nesse dia, mesmo antes da sua ultima presença, sussurrei-lhe ao ouvido um Até já...
Aquele Até já, ficou também em mim... como se me dissesse até já a mim...
Compreendi quem sou, quem somos...
Pois que o meu irmão não estava mais ausente de mim...
Marquei o em mim, por forma a nunca esquecer, o valor do Até já...
Como símbolo da sua presença em mim.
O tempo que nos intervala a ausência é apenas um instante...
Por isso, Bicho, desde esse dia, vivo esse instante, esse renovar de Até já, até a concretização do Até já seguinte...
Levantei-me e escrevi na areia!
Acenei sorridente e continuei o meu passeio...
Gritou-me Até já para ti tb Bicho!

Bicho


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Gota de fumo


Acordei com o Ibrahim a mexer nas gavetas do seu escritório, que por sinal, é também o meu local de repouso...
Nem me deixou terminar de grunhir, ao se aperceber que estava acordado, e mantendo-se na sua busca pelas gavetas...
Rodou o tronco e a cara para mim e com um sorriso, como quem espera uma resposta confirmativa, perguntou;
- Viste uma caixinha amarelada...  quinze centímetros por oito... tem três tubinhos... Os charutos! Viste-os?
Respondi em mímica, sem necessidade de qualquer grunhido...
Mentiria! Se eu o soubesse, se eu o conseguisse, apetecia mentir, dizer: Não, não os vi! Só para manter o suspense! Só para contrariar a certeza do sorriso! Mas apenas para o elevar à gargalhada, pois que nem a  a mentira poderia criar duvida!
- Espero que haja pelo menos um para o fumar... A ler!
E abriu repetidamente os olhos em movimentos de convite.
Dois dedos levantei rapidamente, enquanto espetei a face de alegria, confirmando a imediata combinação!
O Ibrahim preparou a musica.
Eu fui directo à gaveta onde se encontrava a caixa dos charutos! Não fui eu que os pus lá! Mas o Ibrahim  tinha mo dito, no caso de não se recordar...
Sentamo-nos na varanda marquisada ..
A musica começou, um lamento de Charles Mingus,  não é um lamento de tristeza... Soa mais a uma constatação da existência... Dissonâncias que se encontram...
Coloquei o teclado na minha frente, o ecrã na frente da cadeira do Ibrahim... *
Distribuímos as mantas, sentados e aquecidos e uma parede de vidro com vista para o horizonte, o momento começou a compor-se...
Dei-lhe um tubo metálico enquanto desenroscava o meu.
Passou-me a guilhotina, enquanto executava o corte, já o Ibrahim acendia um grande fosforo...
Os Edmundos fumavam...
Estamos prontos...
Comecei a escrever:
"Não te recordas!
Foi exactamente numa tarde igual a esta...
Talvez com a mesma chuva...
Exactamente o mesmo quadro!
Foi aqui...
Que as gaivotas, de igual porte, contrariaram o vento em voos errantes...
Foi aqui...
Tal como agora, que nos sustivemos pelo prazer da observação das coisas simples...
Foi aqui...
Que duvidamos da razão e colocamos a duvida na inebriação de uma fumaça asfixiante...
Foi aqui...
Que as gotas de água, escorridas do céu, aplaudiam sonoramente cada concretização do seu fim....
Foi aqui...
Que uniram carreiros como revoltos rios, uniram elementos, criaram pequenas ilhas de vida, fixaram, uniram e sustentam...
Foi aqui... Tal como hoje, que sentiste em ti a ausência da razão e passaste o seu limite...
Que te sentiste uma gota de agua, uma gaivota, um resíduo, um mar, uma planta, um ser...
Sentiste toda a força do universo, apenas com parte do visível...
Sentiste a ligação que comigo tens.
Sentiste eu e tu, sentimos, mas sem plural, juntos mas um só!
Nós... As gotas,os sons, as gaivotas, a musica, a vida, o fumo...
Esse momento em que tu e eu,  fumávamos um charuto do vingativo conde, nunca é uma recordação..."
Puxou-me o teclado e escreveu, ..apenas o é...  partir daqui seguiu o Ibrahim...

Bicho

* Já temos uma maquina, ainda em fase experimental, que me permite falar... Mas há momentos!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Finalmente nasci!

Não sei se era um homem ou uma mera sombra....
Se fosse um homem era alto... Pela capa negra que trazia, tinha ombros finos...  
O seu corpo era torcido, como a sombra de uma árvore vergada ao vento, a sua copa um chapéu, preto de abas lisas...
Desenhava movimentos lentos, como se de uma dança se tratasse, as pernas flectiam permitindo aos braços descrever traços impostos por outras regras que não as da dança...
Na mão direita erguia um carvão e tornava em preto linhas onde a luz clareava a parede...  A esquerda erguia-se no ar, imitando talvez, os movimentos da sua irmã.
A totalidade do movimento iludia quem o via, meio escritor, meio maestro, surgia a duvida! Passo para cá, passo para lá e os braços criavam movimentos ritmados como quem dirige à velocidade da palavra...

Eu e outro Bicho, alternávamos a observação, entre essa sombra que freneticamente escrevia e a eclosão eminente de alguns ovos de coruja. Carinhosamente colocados numa reentrância de um penedo que dominava a vista de todo o parque.
A fêmea já tinha partido e o macho tomava agora o seu lugar, cuidar e alimentar as suas crias até o primeiro voo.
O seu grande olho esquerdo aproximava-se de nós enquanto com o direito apercebia-se do movimento nos seus ovos. Nervoso e apreensivo, como qualquer pai!
Percebendo a iminência e a segurança que a nossa presença representava, pediu delicadamente, e voou na esperança que no fim deste, encontrasse bicos famintos. Razão do seu voo!

Alguns ovos começaram  a eclodir. Um a um,  apareciam pequenas fissuras resultantes da força do bico, e quando a matéria solida soltava, observava-se a existência de vida empurrando a membrana mais flexível, e depois pequenos bicos, erguiam-se para alem da casca, até que a abertura desta permitia a separação total... É algo muito belo de se observar... Melados, de aspecto húmido, procuravam encontrar a sustentação, enquanto o nascimento de outros os obrigava a um permanente ajustamento, entre o equilíbrio das patas, e a fricção que os aquece...
O macho esvoaçou perto.
Achamos que agora, deveriam ficar sós, em família, enquanto voava os arredores, como faz um pai, garantindo que a segurança dos filhos não sofre ameaças, saltamos em direcção ao  muro...
Pareceu-nos ver uma sombra dissipar como faz o fumo sem direcção levado por um deus do vento...

No muro estava escrito :

"Morri assim!
Numa noite de estrelas, sem cometas a anunciar...
Sem que o som das trombetas me acompanhasse,
Não ascendi, nem vi caminho...
Mas sou mais do que era, em mim o mundo entrou, e vejo as casas, e os rios, e os mares, as montanhas, e vejo para além das coisas intransponíveis... Vejo para além do impossível, vejo o vazio que intervala os mundos, e as estrelas que os aquecem,  o que foi e o que há de vir, o que nunca foi, o que sempre será...
Deixei de ser quem era...
Finalmente nasci!
Hoje sou parte de tudo e em tudo tenho parte.
Sendo quem fui, hoje sou."

O Corujo encontrou sete bicos sibilantes, todos eles com vontade de viver.
Eram oito ovos mas um... Nasceu hoje!

Bicho



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A varanda tem flores.

Gosto de andar descontraidamente pela cidade, braços soltos, posição erecta, distraidamente a olhar quem passa...  A ver os quadros que os humanos criam, os seres inanimados, ou movidos por uma qualquer maquina, com brilhos e veludos, tons dominantes, arco-íris ofuscantes, montes e praias transportados, sol e chuva, sorrisos e dores... Tudo inserido num pequeno cenário transparente...
Por vezes, na sua frente, absorvo aquela experiência, e apanho boleia de uma onda, ou imagino-me a colocar  os óculos e capacete, continuo os meus movimentos no triplano de um qualquer Barão Vermelho...

Num desses meus voos, esqueci-me da minha altura, de como os edifícios são projectados...
Não à minha medida...
Num rodopio, picado, com inversão a terminar num looping em parafuso, a desafiar todas as regras da aviação e da física, a provar que é a destreza do aviador e não da maquina que define a sua competência...
Esbarrei-me contra uma varanda! A uma altura incerta...
Cai redondo com as costas no chão...
Abri os olhos, confirmaram o que o tacto já tinha provado, lá se encontrava a varanda...
E continuei a voar...

"Se eu fosse uma varanda, de altura incerta, suspensa e só...
Teria medo do chão, dessa certeza que limita o horizonte.
Preferiria olhar o céu, as estrelas, e ver o tudo que somos nas pequeninas estrelas que nos desenham...
Viveria como quem caminha no solido chão, mas a cada passo, juntaria a duvida da sua presença....
Não pela queda abismal. Pelo infinito voo em que partiria!
Sentiria o vento que assobia, a chuva que molha, o sol que aquece...
Viveria as estações e a idade que trago.
As flores que transporto, os seres que carrego...
Se eu fosse uma varanda, de altura incerta, suspensa e só...
Sentiria a parede que me acode, que sustêm e ampara, quando do chão se sente o aroma, quando na duvida se sente a queda...
E após esses momentos, verificaria os ferros, as juntas, anilhas.... E apertava com muita força...
Para que a parede, também pudesse voar ..."

Levantei-me, chamou-me atenção a montra em frente...
A varanda!
Tem flores lindas...

Bicho

sábado, 2 de fevereiro de 2013

O destino da escolha



Acordei com uma voz...
Inconstante e indecifrável! O Ibrahim  fala no sono..
Fá-lo como quem reza! A sequência de palavras é constante, mas apenas perceptíveis aquelas que coincidem com a expiração...
Sou um Bicho curioso... Mantive-me em bola mas apenas alguns minutos! Não resisti, esgueirei me ate ao seu quarto...
Confirmei, dormia!

Senti uma enorme vontade de me enrolar ao seu lado, sabe tão bem ser pequenino de novo...
Assim senti, assim o fiz... Enrolei-me à escuta!

As palavras vinham e iam em impulsos... Poucas faziam sentido,  as que faziam, encontravam-se perdidas no intervalo do silencio...
Mesmo assim houve frases que retive:
"... em ti reconheço a minha alma..." "... todas as mentiras do passado, são dignas de perdão, se viveres a verdade do presente..." "...se não formos nesta vida determinados, somo-lo ainda assim na eternidade...".

Ouvi aqueles murmúrios... na verdade algumas das palavras que transcrevi, não posso com total certeza dizer que as ouvi, mas assim as percepcionei...  Aquelas palavras ecoaram em mim, como se fossem motes de construção de vivências e existências, a partir delas comecei a criar mundos e realidades...
Senti vontades...
Ocupei os silêncios...
Vivi histórias...

E delas, das palavras, surgiu-me um sonho, como se o fado da escolha que conduzisse a vida, não fosse mais que um traço definido. No qual o caminho percorrido, servisse apenas para compreender que o determinismo da escolha de ontem fosse a certeza da  realização do hoje...

Esse trajecto que chamamos vida, esse conjunto de experiências acumuladas,  de vivências, produz o caminho!
O caminho é algo pessoal, é uno, irrepetível, intransmissível... Único no mundo!
Dessa percepção do mundo,  na qual é tomada a decisão da escolha, através desse acumular de vida,  dessa opção que define e cria o caminho,  reflectimos na escolha de hoje o passado das escolha realizadas...
Limita por outro lado, a compreensão total do outro, pois para cada um existe apenas um só caminho...
O meu juízo, a minha escolha, é feito pela minha condição, pelo meu caminho, não pelo do outro...

Mas aquelas palavras, ajudaram me a compreender como podem então caminhos e escolhas convergir...
Todos os caminhos tem processos de convergência,  através do perdão, da compreensão, da tolerância, da paz, do amor ...
A fusão dos caminhos é possível... Cada um no seu, é certo, mas lado a lado, juntos! Se for esse o seu destino. A sua escolha!


"Conheci-a quase sem querer...
Já a tinha visto, passava livremente por mim...
Não que me fosse completamente indiferente, a sua beleza era notória, mas distante da que encontrei quando os os seus olhos se entrelaçaram nos meus...
Nesse dia! Tudo mudou. Fugiu o vazio que me preenchia e nada mais cabia que a sua existência em mim.
O seu sorriso acelerou o tempo, e este, perdeu o tic tac que o intervala, transformando-se num continuo onde o próprio tempo se anula.
Não foi apenas o tempo, o espaço... O chão fugiu e o céu perdeu o seu limite.
A existência transformou-se numa corrente perpetua para onde flui toda a vida. 
O momento valia a eternidade e os seus olhos todo o espaço existente...

Estranho...  A sua beleza perdeu o valor externo que transportava! Se me pedissem para a descrever, não o conseguiria fazer! Como é possível descrever o Universo e todas as coisas existentes... Se o tivesse que fazer , diria apenas que é tudo de belo que sinto em mim...

As palavras não saíram, mas o silencio não se impôs, pelo contrario, trocamos imagens, seleccionamos escolhas futuras, há muito decididas no passado...

Um sorriso partilhado renasceu naquele momento. Um tic esperou silenciosamente pelo seguinte tac, e o universo engrenou novamente no seu movimento...
Saiu um passo que encontrou o chão...
Fugiu-nos simultaneamente dos lábios um olá..."

-Bom dia, filho!
 Fui subitamente interrompido!Beijou-me o Ibrahim que com voz sorridente acrescentou:
- Por andavam os teus sonhos? Ah Ah... Grunhias sons de amor...

Bicho