sexta-feira, 13 de junho de 2014

Sinfonia Mágica

Cheguei a casa um pouco mais cedo...
O sol ainda raiava mas pouco faltava para o ocaso.
Procurava a chave, na possibilidade de bolsos...
Abre a porta de rompante, o Bicho, tira-me a pasta,  atira-a para dentro de casa, fecha a porta, agarra-me em pressa para o acompanhar!
Já não o interrogo da necessidade da pressa, apenas o segui!
Dirigimos-nos ao Parque, à "nossa floresta" como o chamamos....
Corri, tentando seguir as suas aparições, entre os saltos de árvore em árvore, até que aguardou por mim numa zona mais remota do parque. Antes que eu produzisse qualquer som, já me sinalizava a necessidade de silencio...
Caminhamos de mão dada, cortamos entre arbustos mais fechados, e a cada passo que dávamos o som do cantar dos pássaros era cada vez mais audível. Chegamos finalmente, uma pequena clareira situada junto a um alto muro, formado pelas traseiras das casas que limitavam o parque.
O Bicho deitou-se no chão, fechou os olhos, e com um aceno convidou-me a fazer o mesmo...
Segui o seu conselho e ali fiquei, a ouvir...
Não era apenas um conjunto de pássaros a cantar, era uma sinfonia de harmonias agudas, chilreados, pios, vibratos, sustenidos... Um cem numero de diferentes sons que em conjunto provocavam um só.
Já de si muito belo!
Mas de súbito, surgiu um som, que sobressaindo dos demais, como se de um solista se tratasse,  conjugava ainda mais todos os outros sons já existentes, o elemento congregador de todos os outros. O Bicho apertou-me o braço, chamado-me a atenção do que já tinha reparado...
A beleza de todo aquele som, não tem outro efeito se não as lágrimas, sorria de êxtase por tal experiência. Todo o meu corpo se arrepiava de beleza.
Escalas aparentemente desorganizadas que acompanhavam as alterações como se de uma só pauta se tratasse.
Som que, apesar de completamente diferente, não o sentia como inteiramente novo, sem compreender exactamente onde o poderia ter ouvido ou que ser o poderia produzir.
E a sinfonia continuou até a oclusão total do sol.
Como se aquela sinfonia tivesse sido escrita em forma de agradecimento de mais um dia, antes do recolher...
Quando terminou, e após agradecer ao Bicho o facto de ele me ter partilhado aquele momento, comentei o som, o do solista, que raio de pássaro poderá fazer tais sons...
Assim que apresentei esta duvida o Bicho sorriu com todo o focinho. Sem hesitação, agarrou-me novamente e guiou-me, desta vez para fora da clareira, caminhamos sempre junto ao muro, até ficarmos perto de uma saída. Dava para uma rua na qual passo habitualmente.
Apontou-me uma porta e em mímica imitou-o!
E compreendi o som...
O Bicho gargalhou com o meu espanto....
Quando passo por aquela rua, com frequência, junto aquela porta, está um rapaz, com uma flauta na mão, deficiente profundo, toca sons estridentes, dessincronizados, com ritmos irregulares, acompanhados de uma constante baba que vai escorrendo pela flauta e pelos cantos da boca, olhar distante, meio torcido e respiração inconstante. Sempre no seu mundo, sem permitir a interacção daqueles que passam...
Abracei o Bicho, em comoção.
Aquele ser, aparentemente tão distante, tão perto...

Ibrahim

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