quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Meu nome é Bicho.

Andava a brincar na minha floresta... não é bem uma floresta! Na verdade é apenas um parque que tem uma zona de bosque, mas ao qual eu gosta de chamar, a minha floresta!
 Costumo ir lá brincar, como se habituação ao espaço me desse a propriedade do mesmo!
 Para além disso, estou convencido que o meu planeta deve ter florestas ou algo parecido à sensação que a floresta nos dá!
Na verdade não sinto a pertença... Mas o facto de a chamar minha, aproxima-me do espaço, demonstra o meu carinho pelo mesmo. Imagino-me nas minhas origens.
Não apenas eu. Partilhamos o mesmo sentimento! É um sonho comum!
Andava eu do chão para os ramos, dos ramos para o chão, abraçar-me as árvores...
Quando uma criança que andava lá com os pais começou a rir ao ver-me naquelas brincadeiras. Veio ter comigo e perguntou-me o nome.
Escrevi no chão, Bicho!
Devia ter entre sete e oito anos, talvez menos! Pois demonstrou alguma dificuldade a ler... Bi..Cho...  Olhou para mim, voltou a olhar para as letras no chão, e repetiu esta acção umas duas, três vezes!
Perguntou novamente: Como te chamas?
Apontei para as letras novamente! Olhou para as letras... olhou para mim... Não falas?
Respondi com um grunhido para que ele compreendesse que apenas com as letras poderia comunicar com ele. Insistiu: Como te chamas, Bicho? Gargalhei em grunhido!
Escrevi novamente mas a frase completa. O meu nome é Bicho! Aí já foi o pai do André a ler!
Continuamos a brincar. Com a autorização do pai dei alguns saltos bem altos ritmados com as gargalhadas do André...
Fiquei a pensar... O meu nome! Para que necessito de um nome que me defina? ...o nome não me define! Olho para os meus irmãos Bichos... Identifico-os... mas não tem nome! São os Bichos meus irmãos.
O nome deve ter a ver com a palavra. Nós não a usamos, não precisamos de nome.
Sou eu assim.
Um Bicho sem nome!
Eu.

Bicho

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Estrela de Bicho

Estive à espera das estrelas!
Felizmente não sinto frio!
Já me tenho perguntado como será a temperatura no meu planeta para ter este tipo de penugem! Sim escrevi penugem e não pelugem! Tecnicamente, nós os Bichos temos penas em forma de pelo... pois, é estranho! os nossos pelos são ocos! tal como as penas... mas em forma de pelo! Temos uma pelunugem!
Estive quatro horas à espera, apesar de o não sentir, vi como as plantas esbranquiçaram da geada, este planeta tem fenómenos bem bonitos! Adoro sentir a geada repousar em mim! ver a acumulação de água e esta a transformar-se em gelo... ver as cores a empalecer...  a geada torna-se um elemento comum em tudo que toca...eu acho belo!
Senti que elas se estavam a aproximar. Sentimos todos. Engraçado, pois eu e mais três Bichos desta zona sempre que elas chegam, reunimos no mesmo lugar. No monte mais alto do nosso ponto. Na primeira vez que senti a vinda das estrelas, comecei a andar de uma forma desenfreada ao encontro do aumento das vibrações, tal como nos sentimos, como não poderia deixar de ser, sentimos todos o mesmo! Agora nem preciso de avaliar a intensidade da vibração é um processo tão natural em nós... e lá nos encontramos os três, como o costume! À espera do grande encontro.
Tal como para mim, também para eles antes deste momento não há recordação...
Já partilhamos essa duvida, um misto de duvida e saudade do desconhecido.
Como será o momento anterior?
Antes da estrela?
Já nos rimos bastante a criar mundos de fantasia e alegria, a partilharmos sonhos de cada um que de imediato passaram a sonhos de todos.
Creio que é a quinta vez que assisto a vinda de estrelas! Apesar de os Bichos mais antigos já terem partilhado as nove que assistiram comigo! Ainda não encontramos uma relação temporal no intervalo da vinda das estrelas.
É uma alegria tão grande!
É das poucas coisas que nos fazem chorar de emoção.
As recordações! Ou melhor, o inicio de todas, das nossas e das partilhadas...
E de repente, surgem as estrelas, lá vem elas a surgirem no firmamento. O fim de uma viagem, inicio de outra. E com elas vem a grande vibração, a sensação de crescimento, a grande partilha, onde todos nós, Bichos, vivemos momentos de consciência una. Perdemos a pluralidade, que também o somos, e num momento somos apenas um grande ser, um individuo feito da partilha de muitos. Soltamos um uníssono  grunhido, sorte a vossa que é em frequências não audíveis por vocês humanos! O som mais belo de todos os sons. Pelo menos para nós!
Uma libertação e uma assimilação! Assim, em simultâneo!
Eis que sentimos novamente o nascimento. Eis que do nascimento sentimos todas as nossas experiências.
Vivemos num momento tudo o que possa ser saudade, tudo o que foi e tudo o que é...
É um orgasmo de vida, de paixão, de amor, de partilha, de unidade.
O que foi ontem, é o agora...
E sinto, eu Bicho em bola nascido em estrela enviado...
Somos um em cada vez mais.

Bicho

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Esperança de Bicho

Uma criança acercou-se de mim sem eu me aperceber e agarrou-me o dedo!
Uma sensação tão boa... Tanto calor, tanto amor... Tanta ternura!
Estranho! Não senti a sua aproximação...
Ando com os sentidos toldados...
Não olhei para a criança mas sim para um homem deitado na soleira de uma porta, um dos muitos sem abrigo que se deitam pelas cidades..
Enquanto olhei para o Homem a criança desapareceu.
Senti-me na obrigação de ir ter com o Homem.
Chamava-se José, tinha 43 anos e há 7 anos que vivia na rua. Tinha fome e frio.
Durante algum tempo tentei ajuda-lo, apesar da sua relutância. Dizia-se não ser merecedor. Tentei várias vezes saber o seu passado mas ficava perturbado e fechava-se no seu cobertor...
Finalmente após alguns meses de visitas semanais...  José aceitou integrar um centro de ajuda!
Numa visita que lhe fiz, José, já de barba e cabelo cortados, servia com orgulho na cantina. Apesar das cicatrizes do frio, as suas rugas formavam curvas de sorriso.
Notei o cuidado com que tratava uma rapariga que estava no centro, foi a primeira vez que a lá vi, mas por ausência minha, não dela!
Senti que o José lhe falava com a alma, como quem partilha a dor para a transformar em esperança... Aproximei me... Eu sei! Não é correcto ouvirmos o que os outros dizem sem sua autorização. Por isso, e na tentativa de não incomodar a rapariga, que não me conhecia de lado nenhum, aproximei me por trás desta, de forma a que o José me visse. Apercebeu-se da minha presença! Mantive-me à escuta...
Dizia o José:  "Achas que não compreendo! Sim a  tua dor é a maior do universo, como muitas outras! Não quero que desapareça em ti a tua dor! Apenas que aprendas a viver com ela...
Vou-te contar a minha história...  em tempos fui gerente bancário, trabalhava cerca de 10 horas diárias, com frequência trazia trabalho para casa aos fins de semana.
Tive mulher, que sempre me amou e respeitou. Tive uma filha que me adorava...
Um sábado foram ao cinema... eu deveria ter ido também, pois tinha tinha prometido à minha Pipoquinha....  Iria com elas, deveria ter ido com elas! Contudo o trabalho...
Deveriam ter chegado às sete da tarde, mas absorvido pelo trabalho apenas pelas das dez me apercebi da ausência...
Liguei-lhes! Nada...
Entrei em desespero! Policia, hospitais.. tudo! Mas nada! Só aflição e a ausência!
  Apenas no dia seguinte as encontraram numa ravina, a cerca de seiscentos metros de casa! Morreram ambas. A minha filha tinha falecido apenas a cerca de 3 horas de a encontrarem, esvaziou-se em sangue de um profundo corte na anca...
Como posso não compreender a tua dor? Como posso não compreender a perda? Como posso não compreender a culpa? Como posso desculpar-me?
Eu sei!
É difícil aceitar a realidade!
Aceitar a continuação da vida!
Aceitar a existência! Facilmente trocaria a minha pela da Pipoquinha!
 Ser, que na dela, carregava a minha...
Mas aos poucos... Finalmente compreendi!
A existência dela está em mim e comigo continuará... dias de partilha virão!
Quero apresentar-te um amigo que me ajudou! -Bicho, esta é a Maria."
Em sobressalto estranhou a minha proximidade, meia a medo olhou  para mim...
Sem conseguir tirar os olhos do chão disse um tímido, Olá! Um coração lacerado, negro de dor, cuja origem da dor já nem se distingue...
Nesse mesmo momento senti um forte abraço na minha perna, como se uma criança se tratasse...  A repetida sensação de amor e ternura... Uma explosão em mim! Olhei para a perna e ninguém se encontrava-lá!
Enquanto José, sorria, uma lágrima de esperança correu-lhe na cara...
Tanto calor! Tanta ternura! Tanto amor! Tanta esperança...
Obrigada Pipoquinha.


Bicho

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Bicho Urso

Ontem estive com o Ibrahim, fui visitá-lo...
Dormi lá!

 Desde Bolinha que adoro ouvir as historias contadas pelo Ibrahim!
Pedi-lhe que me contasse uma!
  Mesmo depois de ter apreendido a ler!
Também tento! Em simultâneo com a leitura dar forma as personagens... Consigo sentir que estas têm vida em mim! Sinto-lhes a voz!  É excitante!
Mas tal exercício não compete com representação do Ibrahim!
A sua Representação deixa-nos presos, vivemos com ele... é maravilhoso!
Apesar de não começar com o, era uma vez, sinto ainda assim mesma magia ...

"Um Homem vivia numa caverna juntamente com um urso. O urso era enorme! Entre os ursos chamavam-lhe O Gigante!
Com frequência, o Urso apanhava o peixe mais suculento, o mel mais doce, e por vezes, o coelho mais rápido, que apesar dos seus rápidos saltos, estes, eram pequenos de mais para a lenta corrida do Gigante.

Voltava sempre com olhos brilhantes e orgulhos, e como se de uma oferenda se tratasse, entregava-os ao Homem!

Os outros ursos achavam aquilo muito estranho! O Gigante é um parvo! Não basta pescar e caçar para ele, ainda o faz para um ser Humano...

Um outro Urso, curiosamente com dimensões bem diferentes do Gigante, andava com azar na caça e na pesca. Era até pequeno de mais para lutar com um enxame em fúria! Para além disso, a sua pequena dimensão, não lhe permitia ter força suficiente para rasgar as árvores, onde estavam as colmeias mais produtivas...
Nunca lhe chamaram Anão!
Não tinha a mesma origem do Gigante, onde a distinção entre os ursos era feita pela sua dimensão.
De onde o Manchas era oriundo, não era pequeno! Apresentava um tamanho normal dentro da sua espécie. Porém, o caminho e a aventura trouxeram no até aqui, ao Vale dos Ursos Grandes!
Chamaram-lhe Manchas. Pois, para além da normal cor dourada no dorso, tinha umas pequenas manchas mais claras que o distinguia dos de mais. Quem o visse! Facilmente compreendia a razão do seu nome!

A fome tinha enfraquecido o Manchas, a sua debilidade física já tinha alterado as atitudes e pensamentos  que o trouxeram até ao vale.
Se a beleza e frescura do vale o tinham prendido em tempos... Tudo agora era um mero exercício de sobrevivência! Não tinha tempo nem disponibilidade para se preocupar com a beleza... Com as borboletas que costuma observar nas azuis violetas... No pequeno colibri que se alimentava nas campainhas, junto à sua toca... No bailado dos troncos que quando acariciados pelas brisas mais fortes, faziam estranhas, mas belas canções, acompanhadas pela chuva dourada das folhas de Outono..."

 - Precisavam de ver a forma como o Ibrahim "dançava", como se o vento o forçasse ao desequilíbrio, enquanto suaves movimentos dos dedos imitavam na perfeição o bailado das cadentes folhas..
Fenomenal!

"O Manchas tinha fome! Desespero de fome! Os pequenos insectos e a fruta dos ramos mais baixos apenas lhe garantiam uma barriga a roncar e mais um dia de desespero...

Um dia...
Ao observar o Gigante a entregar um delicioso Salmão ao homem...
Pois era o tempo deles! Grandes! Fortes! Gordos! Rápidos! Fugidios! Astutos de mais para o pequeno e fraco Manchas.

Começou, então, a ter maus pensamentos em relação ao Homem...

Este Gigante... a alimentar um Homem... poderia ajudar seres como eu... da mesma espécie... ainda que diferente sou dos dele... com a sua dimensão tem responsabilidades para connosco... não com qualquer outra espécie...  o Homem tem que desaparecer... Não sou maior que ele, mas... As minhas garras são  afiadas...  De todos os seres do vale é o mais fraco!  Mais lento que os coelhos! Menos fugidio que um salmão! As minhas presas serão facas na sua carne!

Começou então a rondar a gruta do Gigante, não poderia arriscar o confronto com este, seria a sua morte, apesar do desespero não era estúpido!
 Matar o Homem tinha que ser uma questão de sobrevivência não o contrario!
Mas o Homem nunca ficava tempo suficiente sozinho. Não se afastava o suficiente a permitir o seu ataque. O Gigante sempre  perto.
Cada vez com mais fome! Na vontade de matar o homem, esquecia-se dos pequenos insectos e da parca fruta ...
Um dia, de tão fraco! Desmaiou!

Quando acordou, sentiu junto ao seu focinho um grande coelho, já morto e com a pele arrancada! Pronto a ser comido.
Sentiu água fresca, entornada na sua boca...

 Debilitado e desorientado, conforme desaparecia a névoa da sua visão, viu a transformação de dois vultos. Eram o Homem e o Gigante...
O zunido silencioso transformou-se em voz...E uma voz profunda e gigante, num tom doce como o mais doce dos meles disse:
-Recordas Pai? Era bem mais pequeno quando fizeste o mesmo por mim...
Ao que uma voz serena e tranquila respondeu:
-Sim! Claro que recordo meu filho Urso! Por favor... Vai buscar mais água para este teu irmão!

O Ibrahim ficou parado a olhar para mim, piscou-me olho enquanto sorria e disse: Vai meu filho Bicho! Por favor... Vai dormir!
Adoro as suas historias!


Bicho