quinta-feira, 26 de julho de 2012

Caminhou apenas...

Caminhava de forma errante um homem, lá no parque...
Senti que me devia aproximar, mas ao fazê-lo, vi como a sua expressão mudava rapidamente entre o riso e o choro. No sorriso, abria o peito, o seu olhar brilhava,  alargava os passos e levantava a cabeça, observava a vida à sua volta. Um ser pleno de confiança, o caminho traçado era um objectivo alcançado a cada passo. Chegava mesmo a gargalhar com o canto dos pássaros... 
Mas logo abrandava...
O queixo caía. As pedras do caminho ficavam penedos cujos pés subiam em dificuldade. Os passos rectilineamente decididos criavam agora curvas trôpegas, sem sentido, sem definição...
Fiquei um pouco assustado, com tamanha disparidade de sentimentos. 
Falava, por vezes sozinho, por vezes como se estivesse a falar com alguém...
Alguém não visível... 

"Não me apaixonei por ti...
Apaixonei-me! Isso sim!
Mas por outra pessoa, uma pessoa que...
Em boa verdade... Julguei mesmo que fosses tu!
Mas não eras, não era!
Aliás, nunca chegou a ser!
Fui eu que a criei! O amor tem este efeito sonhador... Obriga-nos a imaginar, cria vontade de futuro! E o futuro, só se vive imaginando!  
O presente não era! Por isso, eu.... 
Eu imaginei-te! 
Criei um ser de ti, fora de ti...
Não vivia o presente, sonhava com o futuro como se o presente fosse apenas um caminho...
Egoísmo o meu a decidir futuro...
Mas se fosse apenas um pequeno passo à frente do presente, uma coisa pequenina, quase insignificante, apenas o dia de amanhã...
Não foi!
Queria tanto viver o futuro no presente, fui andando, avancei... 
Imaginei a velhice,  os dias em que viveríamos as recordações, os dias em que compreenderíamos como tínhamos tido uma vida cheia, compreenderíamos como o nosso papel aqui estaria completo, todas as dificuldades do passado seriam recordadas com sorriso, os dias em que olhando para trás apenas veria a nossa existência...
Nós num só, rindo e chorando em simultâneo, a historia de um seria a recordação do outro...
Era o que eu sentia!
Era o que eu vivia!
Queria o todo sempre, anular o tempo, que o agora fosse um continuo, sem passado sem futuro, apenas fosse, tal como o imaginava, sempre presente... 
Vivia o todo sempre, imaginava-o como quem vive a realidade, o todo sempre é agora...
Eras musa que me inspirava no presente, permitias sonhar o futuro, o todo sempre feito possível! 
Descobria aqui e ali a concordância que desejava... 
E o presente não era!
Por isso, eu.... 
Eu imaginei-te!Criei-te!
Assim... 
Uma personagem!
Não te ofendas... Não é melhor, não é pior. Simplesmente outra pessoa!
Uma pessoa, como eu e tu,  criada por mim, iniciada em ti! 
Parte de mim em ti, parte de ti em mim!
A ti Obrigado!
A ela...
Adeus!"

Quando disse esta última palavra, levantou a cabeça. Sorriu e chorou uma ultima vez...
Definiu um ponto e caminhou até lá. Sem decisão, sem melancolia, caminhou apenas...

Bicho

4 comentários:

  1. Podia ser eu no parque... se me expressasse tão bem.

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  2. No parque , num parque qualquer. O espaço sem tempo. O tempo para sorrirmos, caminharmos, amarmos sem os penedos que se movimentam furtantando-nos insipidamente sonhos e ambições. Assim, aceitando, percorremos o mesmo tempo com o compasso do passo que o destino, o Universo nos propõe.
    Um texto maravilhoso, onde podemos divagar ao som do ruído das palavras.Porque os conceitos, sensibilidade são inexprimíveis!
    Bjis, N.
    Noas férias

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  3. Futuros imaginados que complicam quantas vezes o presente...
    Obrigada pela "visita"

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