segunda-feira, 19 de março de 2012

Boa Noite Papá!

Procurei por toda a parte! Não a encontro! Tenho alguma saudade dela...
Sei que é igualmente feliz,  mas tenho saudade da loucura do Ibrahim!
Pensei que estivesse escondida atrás da porta,  que saltasse na minha passagem tal como era habitual, ou na leitura de um momento terno e doce, gritasse uma qualquer palavra contraria ao sentimento induzido... e após o susto, vinha o gargalhada provocada pela mesma acção.
Quando inesperadamente cantava uma qualquer canção cujo o sentido, para além de vazio, provocava o riso, pela loucura... "Cagarinho, Cagarol, Preferes Mijinho ou queres Sumol!"
Ah! e quando eu era pequeno, representava nas refeições, para que o sorriso forçasse a abertura da boca, e assim fosse comendo o que não apreciava: "-Para trás meus piratas, nunca conseguirão tirar o alimento do meu filho Bicho!"  E em passos mistos, de dança e luta, provocava, não só em mim, mas em todos os presentes a gargalhada. Os jogos de mímica, o puxar de orelha, que obrigava a língua a sair fora da boca, a língua empurrada que revirava os olhos...
Quando íamos dormir, ao contar as histórias, transportava-me as cavalitas até ao mundo dos sonhos. A viver os sonhos como a realidade, a aproveitar as experiências que os sentimentos nos podem ensinar...
Permanecia ao meu lado até eu ficar em bola.
Ensinou-me, que o facto de compreendermos o presente e sentir-mo-nos bem com ele, poderemos igualmente sentir saudade do passado. A forma saudosa e orgulhosa como falava do seu pai, que nunca conheci. Ensinou-me o valor do passado e a importância que tem no presente.
Agora, quando olha para as crianças,  fá-lo com ternura. Reaparece, a mesma loucura! Sorrio com a felicidade da saudade, pois ao ouvir as gargalhadas das crianças, recordo as minhas.
Derreto-me quando após esses actos, olha para mim, como se eu fosse a criança que gargalha.
Agora, que sou mais velho, adoro igualmente as suas conversas, compreender as suas interrogações de Homem, compreender as suas escolhas e caminhos. A troca de papeis quando me pede conselho sobre algum assunto. O papel de um companheiro, de um amigo, que sabemos estará sempre ao nosso alcance e disponível para tudo...
Existe contudo algo que permanece, o seu olhar, quando me olha, os seus olhos  dizem-me: Amo-te meu filho!
E compreendo...
Mesmo que a loucura do Ibrahim não apareça com a mesma frequência, para ele, serei sempre o seu filho Bicho! Um sentimento intemporal.
Quando olha para mim, sou eu! Em todas as idades!
A minha presença e existência, faz com que o Ibrahim permaneça feliz!
E que parte da minha, nasce na dele.

Boa noite, PAI!
Dormiremos  felizes!

Bicho

1 comentário:

  1. Fico feliz Bicho por termos algo em comum, os humanos, EU, e tu, Bicho. No Ibrahim vês o que ainda nos custa muito explicar entre nós Humanos e aos Outros. É estranho isto, aquilo que já te falei, o que chamamos de alma. É estranho como o presente que se torna passado, mas que nunca deixa de nos assolar no futuro. É muito por causa destas coisas que chamamos alegria, saudade e constante permanência de alguém que já não vemos. Assim é com os pais e com os filhos. Dizem que nada existe mais forte do que estas relações. O sangue do mesmo sangue, os olhos, a mente, a alma. É um sentido vazio. Não sei se percebes o que é o sentimento, de verdade. Também não to vou explicar, porque eu próprio não percebo, mas deixa-me dizer porquê. EU perdi também o meu pai. Senti um vazio. Depois esse vazio foi-se enchendo de saudade. Depois de lembranças. Depois de imagens e de pensamentos. Cheguei a um ponto em que conversava com ele, mesmo que não soubesse se me ouvia. Depois percebi que sim, que me ouvia, mesmo que não ouvisse, ouvia-me porque eu ouvia-me a mim mesmo. E é isso que eu acho que são os pais para os filhos: somos nós mesmos. É a parte de nós que pensamos que não somos, é a palavra que dizemos para nos ouvirmos a nós mesmos, é a luz que teima em brilhar, quando apenas vemos a escuridão. É a saudade de nós mesmos, porque já não nos temos todo. Sei lá como te explicar este sentimento que não esperamos e que às vezes nem queremos, mas que nos toca dentro, fundo, não nos órgãos, mas em algo que temos cá dentro. É este algo que não consigo explicar, nem sei se todos os Humanos o conseguem. Uns inventam religiões e ídolos, que se calhar já viste, outros esquecem e tentar ignorar porque magoa-nos muito, aos Humanos, lembrar isto que temos dentro. Outros não acreditam em nada e deixam-se levar pelo que acontece. EU sou destes últimos, mas muitas vezes não queria. Preferia contentar-me com ir ao sítio onde ele está enterrado, porque nós enterramos os corpos dos nossos pais quando morrem, talvez na esperança de saber sempre aonde eles estão. Mas não me contento com isso, porque ali ele já não está. Ele está em mim e naqueles que por ele nasceram e com quem ele viveu e mesmo que me magoe cá dentro, não nos órgãos, eu prefiro que seja assim. Podes pensar Bicho que estou tolo, "porque motivo gostar de algo que me magoa", mas também não te posso dar justificação para isto. É aquela história do passado que às vezes é presente e é sempre futuro. É a tal dor que se transforma em saudade e depois em vida e depois em choro e depois em sorriso, e memória e que se torna em tudo, e às vezes em nada. É isto que me custa dizer-te como é, porque acho que não se pode dissecar ou analisar, descrever ou gritar, mostrar ou ocultar. É isto que sentimos, EU, e não sei se te posso explicar. Tu sentes assim também, Bicho, ou não? Se sentes, afinal não somos tão distantes... também tens alma ou algo que lhe chames em teus grunhidos. Quando te enrolas em bola, nós fechamos os olhos e vemos coisas soltas por entre hemisférios, vemos imagens e sons, falamos e berramos, choramos e alegramo-nos, tudo sem explicação. EU lembro-me do meu pai e falo com ele muitas vezes. Ouço-me nele e não me esqueço, não me calo, não esmoreço. Ele é também EU, tal como quando a dor EU assola é ele que me toca, estica a mão e olha-me nos olhos, é ele que me levanta e me empurra, que me dá um beijos na alma, e como o Ibrahim a ti, me diz sempre, "Amo-te filho". É verdade porque eu também o amo a ele... Pai.

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