quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Finalmente nasci!

Não sei se era um homem ou uma mera sombra....
Se fosse um homem era alto... Pela capa negra que trazia, tinha ombros finos...  
O seu corpo era torcido, como a sombra de uma árvore vergada ao vento, a sua copa um chapéu, preto de abas lisas...
Desenhava movimentos lentos, como se de uma dança se tratasse, as pernas flectiam permitindo aos braços descrever traços impostos por outras regras que não as da dança...
Na mão direita erguia um carvão e tornava em preto linhas onde a luz clareava a parede...  A esquerda erguia-se no ar, imitando talvez, os movimentos da sua irmã.
A totalidade do movimento iludia quem o via, meio escritor, meio maestro, surgia a duvida! Passo para cá, passo para lá e os braços criavam movimentos ritmados como quem dirige à velocidade da palavra...

Eu e outro Bicho, alternávamos a observação, entre essa sombra que freneticamente escrevia e a eclosão eminente de alguns ovos de coruja. Carinhosamente colocados numa reentrância de um penedo que dominava a vista de todo o parque.
A fêmea já tinha partido e o macho tomava agora o seu lugar, cuidar e alimentar as suas crias até o primeiro voo.
O seu grande olho esquerdo aproximava-se de nós enquanto com o direito apercebia-se do movimento nos seus ovos. Nervoso e apreensivo, como qualquer pai!
Percebendo a iminência e a segurança que a nossa presença representava, pediu delicadamente, e voou na esperança que no fim deste, encontrasse bicos famintos. Razão do seu voo!

Alguns ovos começaram  a eclodir. Um a um,  apareciam pequenas fissuras resultantes da força do bico, e quando a matéria solida soltava, observava-se a existência de vida empurrando a membrana mais flexível, e depois pequenos bicos, erguiam-se para alem da casca, até que a abertura desta permitia a separação total... É algo muito belo de se observar... Melados, de aspecto húmido, procuravam encontrar a sustentação, enquanto o nascimento de outros os obrigava a um permanente ajustamento, entre o equilíbrio das patas, e a fricção que os aquece...
O macho esvoaçou perto.
Achamos que agora, deveriam ficar sós, em família, enquanto voava os arredores, como faz um pai, garantindo que a segurança dos filhos não sofre ameaças, saltamos em direcção ao  muro...
Pareceu-nos ver uma sombra dissipar como faz o fumo sem direcção levado por um deus do vento...

No muro estava escrito :

"Morri assim!
Numa noite de estrelas, sem cometas a anunciar...
Sem que o som das trombetas me acompanhasse,
Não ascendi, nem vi caminho...
Mas sou mais do que era, em mim o mundo entrou, e vejo as casas, e os rios, e os mares, as montanhas, e vejo para além das coisas intransponíveis... Vejo para além do impossível, vejo o vazio que intervala os mundos, e as estrelas que os aquecem,  o que foi e o que há de vir, o que nunca foi, o que sempre será...
Deixei de ser quem era...
Finalmente nasci!
Hoje sou parte de tudo e em tudo tenho parte.
Sendo quem fui, hoje sou."

O Corujo encontrou sete bicos sibilantes, todos eles com vontade de viver.
Eram oito ovos mas um... Nasceu hoje!

Bicho



1 comentário: